Novas tecnologias para o uso eficiente de recursos hídricos demonstram um avanço significativo para uma agricultura mais sustentável
por Leonardo Gottems – A escassez de água é um desafio que vem ganhando importância e exige da agricultura uma verdadeira “reinvenção”. De acordo com Lineu Neiva Rodrigues, chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Cerrados e especialista na área de irrigação e recursos hídricos, a chuva se concentra mais, causando a sensação de escassez, porque não há retenção de mananciais. A maior parte escorre para os rios sem aproveitamento. Para enfrentar isso, a primeira medida é garantir a segurança hídrica com infraestruturas que retenham e utilizem a água para promover desenvolvimento e qualidade de vida.
“Uma das formas de reter essa água é por meio de barragens. Com relação às tecnologias atuais para uma agricultura irrigada sustentável, temos que lembrar que o Brasil é líder em tecnologias em agricultura tropical, temos aqui o que há de melhor no mundo. Todas as tecnologias que contribuem para a segurança hídrica também contribuem para uma agricultura irrigada mais sustentável. Quando falamos em segurança hídrica, temos que olhar o lado da oferta e o lado da demanda”, ele explica.
Produtor melhora o aproveitamento do feijão com plataforma da Colombo/Miac
Danilo Silva, gerente agronômico da Netafim, lembra que as tecnologias disponíveis são inúmeras, como diferentes sistemas de irrigação, que focam em maior eficiência na aplicação de água, e o gotejamento, que tem sua eficiência em torno de 95%. “Visando a economia de aplicação de insumos, o uso do sistema de irrigação, a fertirrigação, possibilita se aplicar os insumos diretamente nas raízes das plantas, estrutura pela qual as plantas se alimentam, o que possibilita ser mais eficiente na nutrição das plantas e no controle dos males que impactam a lavoura. Esses são alguns exemplos de tecnologias disponíveis para o uso eficiente de água e insumos em um ambiente irrigado”, completa o especialista.
Um dos aspectos mais cruciais ao considerar o aprimoramento da irrigação, visando torná-la mais sustentável, reside no manejo, uma atividade que conta com uma variedade de tecnologias e sistemas disponíveis. “No manejo definimos quando e o quanto de água aplicar. Para isso, existem satélites, drones, sensores que são colocados no caule da planta para identificar se está no momento de irrigar ou não, sensores de solos, técnicas com base em clima, nas quais são usadas modelagens do balanço de água no solo. Há uma infinidade de instrumentos e métodos para o manejo da irrigação e estão todos disponíveis”, ressalta Rodrigues.
Segundo Luiz Alberto Roque, Co-CEO da Bauer do Brasil e CEO da Irricontrol, o correto manejo pode trazer uma série de benefícios, desde menor consumo de energia até o uso inteligente da água e a possibilidade de reter mais o carbono no solo. “Assim, o manejo pode garantir que você tenha não só uma melhora na produtividade e nos custos, mas também um impacto ambiental cada vez menor. Pois irrigação é colocar no solo a quantidade correta na hora certa, com o menor custo e impacto ambiental”, explica.
As tendências dessas tecnologias
Para Silva, tendências que podemos mencionar são o uso consciente de todos os insumos disponíveis para a produção de alimentos, visando a sustentabilidade do processo de produção. “Visando esses pontos, podemos dizer que a automação dos sistemas de irrigação, gestão de dados para uma melhor tomada de decisão, assim como o uso de sistemas mais eficientes de irrigação, todos alinhados em prol da verticalização do uso da terra, produzindo mais com menos recursos, é o que molda o futuro da agricultura irrigada agora”, diz.
Setor avança rumo a uma agricultura mais sustentável
Se fosse apontar uma tendência, Rodrigues cita aquelas que contribuem para a aplicação da água de forma diferenciada na área, porque a área irrigada não é homogênea.
“Você pode ter água, mas se não tiver energia, não consegue irrigar. Acredito que no futuro estaremos aplicando a água de forma mais diferenciada dentro da área, considerando as diferenças, e indo em direção à irrigação de precisão, fazendo uso dos drones, satélites e toda a questão de big data, que teremos que utilizar para, no final, tomar uma decisão. E a decisão é simples: quando irrigar e, se for preciso irrigar, quanto temos de irrigar”, ressalta.
Silva cita ainda o sistema de irrigação por aspersão via pivô central e o gotejamento, sendo que este último pode ser usado de duas formas. “O gotejamento superficial, em que os tubos gotejadores são usados na superfície do solo, e o sistema por irrigação por gotejamento subterrâneo, em que os tubos gotejadores são instalados abaixo da superfície do solo, possibilitando ganhos operacionais nas áreas implantadas. O que aumenta ainda mais o nível tecnológico dessas áreas de irrigação é o pacote tecnológico de ferramentas usadas para o manejo das lavouras irrigadas, em que, através de diversos sensores, podem estar conectados a plataformas na nuvem, possibilitando um manejo refinado do sistema de produção”, complementa.
De acordo com Rodrigo Parada, Co-CEO da Bauer do Brasil, as principais dificuldades para fazer isso em larga escala são questões como o recurso necessário para o investimento. Isso porque, por mais que ele tenha retorno, muitas vezes depende-se de instituições financeiras para financiamento.“Além disso, existe a necessidade de outorgas e, por último, a disponibilidade da própria energia. Algumas fazendas, por exemplo, no Norte e Nordeste do País, estão muito distantes da disponibilidade de energia, e fazer a operação com diesel fica muito caro em alguns casos”, explica ele.
Nesse cenário, a Bauer, em parceria com a Micropower, tem levado a solução inovadora de operação off-grid para as fazendas, nas situações em que não existe energia elétrica disponível, a partir do uso híbrido de energia solar, diesel e bateria. Tal solução permite reduzir os custos operacionais com o diesel, viabilizando a irrigação em áreas cada vez mais distantes.
O que esperar do futuro
No mundo atual, fazer previsões é difícil e arriscado. No entanto, Rodrigues diz que é evidente que a agricultura de sequeiro tem limitações de crescimento, enquanto a população mundial e a classe média continuam a crescer, aumentando a demanda por alimentos, especialmente os mais intensivos em água.
Para enfrentar esse desafio e garantir maior estabilidade na produção de alimentos, a agricultura irrigada tem um papel estratégico cada vez mais importante, tornando-se essencial no combate à fome e à pobreza.
“Vejo que por diversas razões, por questões ambientais e um olhar mais crítico da sociedade, uma irrigação mais eficiente e sustentável traz benefícios relativos à sustentabilidade da produção de alimentos para o mundo, de maneira geral. Vejo o crescimento da irrigação nos próximos anos no Brasil. Temos uma área potencial maior que a de todo o continente africano, então existe uma tendência de crescimento da irrigação. E essa irrigação tem de ser mais eficiente e tem de ter um olhar para a demanda da sociedade. Ela vai crescer principalmente devido à limitação física da agricultura de sequeiro”, acredita.
Danilo Silva espera um cenário bastante positivo. “As perspectivas são as melhores. Se levarmos em conta que, no ano 2000 a 2010, o Brasil agregava de 110 a 120 mil novos hectares por ano, de 2010 a 2020 esse valor dobrou. Já em 2021 e 2022 a quantidade de novas áreas vem sendo em torno de 400.000 ha por ano. O que mostra que a irrigação vem sendo adotada como uma importante ferramenta para os produtores rurais”, diz ele.
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“Com base no quadro de incerteza climática cada vez mais forte, assim como o valor das terras disponíveis também mais altas, a necessidade em se verticalizar a produção na mesma área é fato, corroborando nossa visão que a irrigação será uma das principais ferramentas disponíveis para que os produtores consigam produzir mais dentro da sua propriedade, assim como a busca por uma forma mais sustentável de se produzir, em que, através da irrigação localizada e a fertirrigação, se utiliza menos recurso natural e menos insumos para a produção de uma mesma unidade de produção de cada cultura”, complementa.
Parada afirma que cada vez mais faz-se necessário otimizar a produção, aproveitando da melhor maneira os recursos naturais disponíveis. “Então, nesse sentido, a irrigação vem apenas para somar com esses produtores. E aqui a gente brinca: quem tem irrigação, coloca mais irrigação. Aquele fazendeiro que já não tem mais fazenda para irrigar, compra novas fazendas para fazer irrigação, porque tem certeza de que o retorno é garantido, a curto prazo, e traz toda a questão de sustentabilidade para o mercado”, finaliza.
Cases
A utilização da irrigação com sustentabilidade já rendeu bons frutos para vários produtores. Um exemplo disso é a Fazenda São José, situada em São Sebastião da Grama, em São Paulo, que conseguiu alcançar resultados impressionantes graças à adoção do sistema de irrigação por gotejamento e à implementação das melhores práticas de fertirrigação, em parceria com a empresa Netafim.
Sob a gestão de Rafael Taramelli, especialista em café arábica e cafés especiais, a fazenda obteve uma transformação significativa em sua produção de café. Localizada na região vulcânica do Vale da Grama, a Fazenda São José agora assegura a alta qualidade dos grãos produzidos.
“O processo de irrigação trouxe muitos benefícios para nossa produção. Nós transformamos uma lavoura de 7 sacas por hectare para 80 sacas por hectare. Tanto a produção quanto a qualidade sofreram uma mudança evidente. A união de diversos fatores gera uma excelente bebida na xícara, e o processo de irrigação na fazenda foi altamente eficiente, trazendo rapidamente muito sabor para a bebiba, com enchimento de grãos e características cítricas na bebida. Foi um projeto excepcional que deu muito certo aqui na fazenda”, explica Taramelli.
José Ailton Ferreira, gerente das fazendas dos Taramelli, destaca a importância da tecnologia da Netafim em um momento crucial. “Quando iniciamos o plantio na Fazenda São José, enfrentamos um problema sério devido à falta de chuva. Houve um momento em que o Gabriel mencionou que talvez fosse melhor abandonar a propriedade e transformá-la em pasto. Eu até concordei com ele, mas acreditava que ainda não era hora de desistir, mas de procurar ajuda. Felizmente, foi nesse momento que entramos em contato com a Netafim, e hoje, graças a Deus, estamos muito satisfeitos com os resultados”, completa.
Novidade brasileira
Uma tecnologia de permeâmetro digital, desenvolvida em parceria entre a Embrapa Solos e o Centro Brasileiro de Pesquisa Fsicas (CBPF), está próxima de ser disponibilizada para o setor produtivo. Esse equipamento é amplamente utilizado globalmente para avaliar a condução da água no solo e permite a coleta de dados digitalmente por meio de um computador de baixo custo.
A empresa Falker demonstrou interesse na tecnologia e planeja incorporá-la em diversos produtos para diagnóstico de solos. A expectativa é de que um protótipo seja desenvolvido nos próximos oito meses, seguido pela disponibilização de versões comerciais.
O permeâmetro digital registra dados em um cartão de memória e possibilita o acompanhamento das avaliações através de conexão Bluetooth com um telefone celular, dispensando o uso de um lap-top no campo. Estudos de validação foram realizados e serão expandidos para outros solos e regiões do Brasil. Com alta precisão de leitura em milímetros e registro de tempo em décimos de segundo, a tecnologia digital melhora a precisão dos dados coletados, representando um avanço significativo no dispositivo.
Os desenvolvedores do novo equipamento esperam que esse seja o primeiro de uma série de produtos destinados a realizar a avaliação de propriedades do solo diretamente no campo. Isso é interessante ao produtor, uma vez que a condutividade hidráulica saturada e a infiltração são parâmetros essenciais para a agronomia, em especial na irrigação, e ajudam na análise de riscos climáticos.
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