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A variação dos fatores físicos, químicos e biológicos que interferem na produtividade das videiras pode causar uma variação na qualidade e no rendimento da uva no espaço, ou seja, na área em que ela é cultivada (vinhedo). Tecnicamente, essa variação é denominada variabilidade espacial, no caso, do vinhedo. Entre uma safra e outra, pode ocorrer também a variação de determinadas condições (chuva, temperatura do ar, incidência de doenças e pragas, etc…) que interferem no desenvolvimento e crescimento da videira, o que pode alterar algumas características das uvas e, consequentemente, do vinho. Esse comportamento é definido como variabilidade temporal.
É importante frisar que pode ocorrer também a variabilidade que não é natural, mas causada pelo homem (variabilidade antrópica), quando de um ano para outro ou entre um vinhedo e outro, em um mesmo ciclo de produção, ocorrem diferenças quanto às podas das videiras, doses de fertilizantes, etc. Diferentes porta-enxertos sob uma mesma cultivar copa pode conferir diferenças à planta e ao vinho.
Variabilidade espacial
Especificamente em relação à variabilidade espacial que ocorre naturalmente, as práticas de manejo realizadas em um vinhedo podem considerar esse comportamento para a obtenção de um produto com características distintas e desejáveis, que podem contribuir para uma maior qualidade do vinho e para agregação do seu valor. No entanto, essas decisões dependem da disponibilidade de dados precisos e confiáveis que mostram a variabilidade espacial em descritores (dados que se transformam em informações) relevantes da planta e do solo.
Equipamentos e sensores podem obter dados referentes à biomassa, ao índice de área foliar (quantidade de área foliar pela área ocupada por uma planta), ao rendimento (produtividade) e à qualidade da uva, os quais são interpretados e fornecem informações sobre a variabilidade com uma resolução muito satisfatória para o emprego na viticultura. Para isso, pode-se se valer do sensoriamento, que a grosso modo compreende a transformação de uma forma de energia em um sinal passível de conversão em informação sobre o ambiente, ou seja, é a captação da energia emitida ou refletida pela superfície terrestre (onde se encontra o vinhedo).
Exemplos são os sensores que podem ser utilizados por um operador ou acoplado a um trator ou um quadriciclo (sensoriamento proximal), ou ainda a uma aeronave remotamente pilotada (ARP), popularmente chamadas de drone (sensoriamento sub-orbital). Em áreas mais extensas, pode-se também valer do uso de sensores instalados em satélites (sensoriamento orbital). Também podem ser utilizados métodos ou processos para quantificar a variabilidade em um vinhedo, como um medidor de condutividade elétrica aparente do solo, que pode ser utilizado com um atributo indicativo da variabilidade desse meio, e que se baseia na indução eletromagnética ou indução elétrica. Ferramentas de processamento de dados como softwares de estatística são empregados para auxiliar os técnicos e viticultores a manipular, analisar e tomar decisões a partir dessas informações.
Vitivinicultura de precisão: desafios a produtores e técnicos
No entanto, os produtores e técnicos do setor vitivinícola deparam-se com alguns desafios. Como tomar decisões sensatas a partir dos dados obtidos por meio dessas tecnologias e metodologias? Para isso, é necessária uma maior compreensão de como tais dados se relacionam com a fisiologia da videira. Um segundo desafio é o da capacitação para fornecer as habilidades e orientação para que se tenha o uso da viticultura de precisão em uma maior escala, tanto por parte dos produtores como por técnicos prestadores de serviços em agricultura de precisão.
Devido ao caráter perene da videira, um vinhedo apresenta distâncias fixas entre fileiras de plantas e entre plantas, o que facilita o georeferenciamento de cada videira e dos pontos de amostragem de amostras de planta (ramos, folhas, cachos). Além disso, uma medida pode ser facilmente realizada em um mesmo local de um ciclo de produção para outro, o que colabora para a criação de um histórico do vinhedo. O exemplo mais comum é o da massa de cachos por planta.
Assim, pode-se avaliar se a variação espacial do rendimento ou de uma característica essencial para realizar um manejo diferencial ou sítio-específico no vinhedo mantém ou não algum padrão de comportamento de um ano para o outro. Também o interesse por informações sobre a qualidade da uva entre as subáreas ou partes de um mesmo vinhedo ou entre vinhedos pode ser atendido.
Viticultura na prática
A interpretação dessas zonas, ligada ao conhecimento agronômico da videira, pode sugerir que uma ou mais zonas homogêneas possam definir onde uma determinada prática agrícola seja realizada de modo diferenciado ou em taxa variada (aplicação de fertilizante, poda de ramos, desfolha, desbaste de cacho, coleta de folhas e cachos para análises, etc..). Assim, a zona homogênea passa a ser chamada de zona de manejo (diferenciado). Porém, nem toda zona homogênea pode dar origem a uma zona de manejo, por questões práticas e operacionais.
Uma prática agrícola que pode ser realizada de modo diferenciado é a colheita seletiva, onde cachos de uvas de diferentes zonas de manejo colhidos em um mesmo dia podem ser processados separadamente em virtude de um comportamento diferenciado observado no vinhedo (vigor vegetativo), que pode influenciar no número de cachos, massa total de cachos por planta e massa média de cachos, e em determinadas características das bagas (pH, acidez, sólidos solúveis, etc..) importantes do ponto de vista enológico. Ou então cachos de uvas de zonas diferentes podem ser colhidos em dias diferentes em função de diferença na maturação das uvas.
É importante salientar que quanto maior a variabilidade encontrada em um vinhedo, ou entre vinhedos, maior poderá ser a contribuição da agricultura de precisão no sistema de produção de uvas, pois possibilitará ao enólogo elaborar produtos diferenciados a partir da colheita seletiva, vinificação separada, tempo de barrica, obtenção de vinhos de cortes, etc… É importante comentar que esse conhecimento oriundo de dados de solo e planta coletados em campo e de análises de uvas e vinhos feitas em laboratórios não dispensa o imprescindível acompanhamento do vinhedo pelo produtor e/ou técnico. São procedimentos que se complementam e que podem agregar ganhos qualitativos e quantitativos ao vinho e ao viticultor.
*Luís Henrique Bassoi é pesquisador da Embrapa Instrumentação, São Carlos (SP); luis.bassoi@embrapa.br
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